quarta-feira, 30 de setembro de 2009

sábado, 26 de setembro de 2009

Em tempo de eleições recordo mais "um sonhador" : José Afonso


Algumas notas biográficas

Foi criado pela tia Gé e pelo tio Xico, numa casa situada no Largo das Cinco Bicas, em Aveiro, até aos 3 anos (1932), altura em que foi viver com os pais e irmãos, que estavam em Angola havia 2 anos.

A relação física com a natureza causou-lhe uma profunda ligação ao continente africano que se reflectirá pela sua vida fora. As trovoadas, os grandes rios atravessados em jangadas, a floresta esconderam-lhe a realidade colonial. Só anos mais tarde saberá o quão amarga é essa sociedade, moldada por influências do apartheid.

Em 1937, volta para Aveiro onde é recebido por tias do lado materno, mas parte no mesmo ano para Moçambique, onde se reencontra com os pais e irmãos em Lourenço Marques (agora Maputo), com quem viverá pela última vez até 1938, data em que vai viver com o tio Filomeno, em Belmonte.
O tio Filomeno era, na altura, presidente da câmara de Belmonte. Lá, completou a instrução primária e viveu o ambiente mais profundo do
Salazarismo, de que seu tio era fervoso admirador. Ele era pró-franquista e pró-hitleriano e levou-o a envergar a farda da Mocidade Portuguesa. «Foi o ano mais desgraçado da minha vida», confidenciou Zeca.

Zeca Afonso vai para Coimbra em 1940 e começa a cantar por volta do quinto ano no Liceu D. João III. Os tradicionalistas reconheciam-no como um bicho que canta bem. Inicia-se em serenatas e canta em «festarolas de aldeia». O fado de Coimbra, lírico e tradicional, era principalmente interpretado por si.

José Afonso retratado por Henrique Matos
Os meios sociais miseráveis do
Porto, no Bairro do Barredo, inspiraram-lhe para a sua balada «Menino do Bairro Negro». Em 1958, José Afonso grava o seu primeiro disco "Baladas de Coimbra". Grava também, mais tarde, "Os Vampiros" que, juntamente com "Trova do Vento que Passa" (um poema de Manuel Alegre, musicado e cantado por Adriano Correia de Oliveira) se torna um dos símbolos de resistência antifascista da época. Foi neste período (1958-1959) professor de Francês e de História na Escola Comercial e Industrial de Alcobaça.

Em 1964, parte novamente para Moçambique, onde foi professor de Liceu, desenvolvendo uma intensa actividade anticolonialista o que lhe começa a causar problemas com a polícia política pela qual será, mais tarde, detido várias vezes.

Quando regressa a Portugal, é colocado como professor em Setúbal, mas, devido ao seu activismo contra o regime, é expulso do ensino e, para sobreviver, dá explicações e grava o seu primeiro álbum, "Baladas e Canções".

Entre 1967 e 1970, Zeca Afonso torna-se um símbolo da resistência democrática. mantém contactos com a LUAR (Liga Unitária de Acção Revolucionária) e o PCP o que lhe custará várias detenções pela PIDE. Continua a cantar e participa, em 1969, no 1º Encontro da "Chanson Portugaise de Combat", em Paris e grava também o LP "Cantares do Andarilho", recebendo o prémio da Casa da Imprensa pelo melhor disco do ano, e o prémio da melhor interpretação. Zeca Afonso passa a ser tratado nos jornais pelo anagrama Esoj Osnofa[2] em virtude de ser alvo de censura.

Em 1971, edita "Cantigas do Maio", no qual surge "Grândola Vila Morena", que será mais tarde imortalizada como um dos símbolos da revolução de Abril. Zeca participa em vários festivais, sendo também publicado um livro sobre ele e lança o LP "Eu vou ser como a toupeira". Em 1973 canta no III Congresso da Oposição Democrática e grava o álbum "Venham mais cinco".
Após a
Revolução dos Cravos continua a cantar, grava o LP "Coro dos tribunais" e participa em numerosos "cantos livres". A sua intervenção política não pára, tornou-se um admirador do período do PREC e em 1976 apoia Otelo Saraiva de Carvalho na sua candidatura à presidência da república.

Os seus últimos espectáculos decorreram no Coliseu de Lisboa e do Porto, em 1983, quando Zeca Afonso já se encontrava doente. No final desse mesmo ano, é-lhe atribuída a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusa.[3]

Em 1985 é editado o seu último álbum de originais, "Galinhas do Mato", em que, devido ao avançado estado da doença, José Afonso não consegue cantar na totalidade. Devido a isso, o álbum foi completado por: José Mário Branco,Helena Vieira, Fausto e Luís Represas. Em 1986, já em fase terminal da sua doença, apoia a candidatura de Maria de Lourdes Pintasilgo à presidência da república.

José Afonso morreu no dia 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal, às 3 horas da madrugada, vítima de esclerose lateral amiotrófica. Será certamente recordado como um resistente que conseguiu trazer a palavra de protesto contra o regime do Estado Novo e depois contra a própria revolução de Abril que acabaria por enveredar por outros caminhos mas também a música popular portuguesa e também pelas suas outras músicas, de que são exemplo as suas baladas.

Em 1994 é feita um CD duplo em homenagem a José Afonso a que se chamou "Filhos da Madrugada Cantam José Afonso"[4]. No fim de Junho seguinte, muitas das bandas portuguesas que integraram o projecto, participaram num concerto que teve lugar no então Estádio José de Alvalade, antecessor do actual Estádio Alvalade XXI.

Em 24 de Abril de 1994 a CeDeCe-Companhia de Dança Contemporanea, estreia no Teatro S. Luiz em Lisboa o Bailado Dançar Zeca Afonso com música de José Afonso e coreografia de António Rodrigues, uma encomenda Lisboa94-Capital Europeia da Cultura.


Letra da música

Amigo

Maior que o pensamento

Por essa estrada amigo vem

Não percas tempo que o vento

É meu amigo também

Em terras

Em todas as fronteiras

Seja benvindo quem vier por bem

Se alguém houver que não queira

Trá-lo contigo também

Aqueles

Aqueles que ficaram

(Em toda a parte todo o mundo tem)

Em sonhos me visitaram

Traz outro amigo também

Trás Outro Amigo Também

José Afonso

Composição: José Afonso

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

FREUD - "O SONHADOR"







O pai da psicanálise
O homem que levava os sonhos a sério
HUGO COELHO (D.N.)

Sigmund Freud morreu na cama drogado e a sonhar dia 23 de Setembro de 1939. Judeu, refugiara-se em Londres do nazismo alemão "para morrer em liberdade" e rendeu-se ao cancro quando viu começar a II Guerra Mundial. Setenta anos depois, o médico que sentava os doentes no divã para lhes ouvir os segredos continua a dar que pensar

No primeiro dia de Setembro de 1939, quando o mundo entrou na II Guerra Mundial, Sigmund Freud estava em Londres às portas da morte. O velho cientista atacado pelo cancro ouviu pela rádio a notícia da invasão nazi da Polónia e o jornalista proclamar o início da "última de todas as guerras". Freud corrigiu, amargo, o erro: "Da minha última guerra." Três semanas depois, a 23 de Setembro - faz hoje 70 anos -, o médico que abriu a janela sobre o inconsciente morreu na cama, drogado e a sonhar.

O pai da psicanálise refugiara-se na capital inglesa um ano e meio antes. Depois da Alemanha de Hitler ter ocupado a Áustria, o judeu, então com 83 anos, deixou para trás o seu célebre consultório em Viena com a mulher, Marta, e a filha preferida, Ana, para "morrer em liberdade".

Freud era um ateu obcecado com morte. Além de acreditar que aquela serviu de pretexto à invenção da religião, ele encarava o fim da vida como missão digna de admiração.

Essa ideia, junto com a de que os seres humanos são dominados pelo desejo sexual, foi uma das que levaram muitos a considerá-lo um louco. Mas isso não era coisa que o pudesse deixar preocupado.

Freud nasceu em 1856 numa família judaica da Morávia e desde cedo sentiu-se um prodígio. Os pais achavam-no melhor que os irmãos e deram-lhe um quarto só para ele. Ele não desapontou. Em 1873, entrou na Universidade de Viena para estudar medicina. Não estava interessado em curar pessoas mas em compreender os mistérios da natureza - curiosidade que o levou às fronteiras da mente.

Freud criou a psicanálise quando já tinha 40 anos. Mas desde muito antes disso começou a levar os sonhos a sério. O austríaco que deitava os doentes no divã para lhes interpretar os desejos mais secretos acreditava que os sonhos - como antes a hipnose - abriam a porta do inconsciente - a parte submersa da mente, na metáfora do icebergue.

Hoje, como no seu tempo, Freud é amado por uns e desprezado por outros. Mas a sua influência é indiscutível, e ele sabia-o. Em 1909 quando desembarcou em Nova Iorque na primeira viagem aos EUA, disse ao colega Carl Jung: "Eles não sabem, mas estão a trazer a peste."

sábado, 19 de setembro de 2009

O QUE M. BETHÂNIA EXTRAIU DO POEMA

POEMA DO MENINO JESUS - Fernando Pessoa

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.

Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.

No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.

Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -Um velho chamado José,
que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.

E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.

Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.

Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.

É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.

Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.

E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.

Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.

Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.

A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.

E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.

Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -"Se é que ele as criou, do que duvido."

-"Ele diz por exemplo,
que os seres cantam a sua glória,

Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.

Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.
"
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa
.... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.

Ele é a Eterna Criança,
o deus que faltava.

Ele é o humano que é natural.

Ele é o divino que sorri e que brinca.

E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina

É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.

E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,

E o mais pequeno som,
seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe

E assim vamos os três pelo caminho que houver,

Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.

O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono
.... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é
.... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Esta é a história do meu Menino Jesus.

Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?



Alberto Caeiro