segunda-feira, 27 de julho de 2009

Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta...

TABACARIA

Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada

à parte isso,

tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,

Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é

(E se soubessem quem é, o que saberiam?),

Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,

Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,

Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,

Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,

Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,

Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.

Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,

E não tivesse mais irmandade com as coisas

Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua

A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada

De dentro da minha cabeça,

E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo

À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,

E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.

Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.

A aprendizagem que me deram,

Desci dela pela janela das traseiras da casa

Fui até ao campo com grandes propósitos.

Mas lá encontrei só ervas e árvores,

E quando havia gente era igual à outra.

Saio da janela, sento-me numa cadeira.

Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?

Ser o que penso?

Mas penso tanta coisa!

E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!

Génio?

Neste momento

Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,

E a história não marcará, quem sabe? Nem um,

Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.

Não, não creio em mim.

Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!

Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?

Não, nem em mim...

Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo

Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?

Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas - E quem sabe se realizáveis,

Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?

O mundo é para quem nasce para o conquistar

E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.

Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.

Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,

Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.

Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,

Ainda que não more nela;

Serei sempre o que não nasceu para isso;

Serei sempre só o que tinha qualidades;

Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta

E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,

E ouviu a voz de Deus num poço tapado.

Crer em mim?

Não, nem em nada.

Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente

O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,

E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.

Escravos cardíacos das estrelas,

Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;

Mas acordámos e ele é opaco,

Levantamo-nos e ele é alheio,

Saímos de casa e ele é a terra inteira,

Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;

Come chocolates!

Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.

Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.

Come, pequena suja, come!

Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,

Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei

A caligrafia rápida destes versos,

Pórtico partido para o Impossível.

Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,

Nobre ao menos no gesto largo com que atiro

A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,

E fico em casa sem camisa.

Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,

Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,

Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,

Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,

Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,

Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,

Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -

Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!

Meu coração é um balde despejado.

Como os que invocam espíritos invocam espíritos

invoco a mim mesmo e não encontro nada.

Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.

Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,

Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,

Vejo os cães que também existem,

E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,

E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,

E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.

Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,

E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses

(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);

Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo

E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube

E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti era errado.

Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.

Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara.

Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.

Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.

Deitei fora a máscara e dormi no vestiário

Como um cão tolerado pela gerência por ser inofensivo

E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,

Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,

E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,

Calcando aos pés a consciência de estar existindo,

Como um tapete em que um bêbado tropeça

Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.

Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada

E com o desconforto da alma mal-entendendo.

Ele morrerá e eu morrerei.

Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.

A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.

Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,

E a língua em que foram escritos os versos.

Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.

Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente

Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,

Sempre uma coisa tão inútil como a outra,

Sempre o impossível tão estúpido como o real,

Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,

Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),

E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.

Semiergo-me enérgico, convencido, humano,

E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los

E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.

Sigo o fumo como uma rota própria,

E gozo, num momento sensitivo e competente,

A libertação de todas as especulações

E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira

E continuo fumando.

Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira talvez fosse feliz.)

Visto isto, levanto-me da cadeira.

Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças).

Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.

(O dono da Tabacaria chegou à porta.)

Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.

Acenou-me adeus, gritei-lhe adeus ó Esteves!,

e o universo reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança,

e o dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos

Preciso de dizer isto a Fernando Pessoa (talvez ele leia o meu blog...): os versos, a poesia que escreveu nunca serão inuteis!!!!!

quinta-feira, 23 de julho de 2009

UM FADO DE PESSOA








Um fado pessoano

Num bairro de Lisboa

Um poema lusitano

No dizer de Camões

Uma gaivota em terra

Um sujeito predicado

Um porto esquecido

Um barco ancorado

Leva-as o vento

Meras palavras

Guarda no peito

A ingenuidade

Figura de estilo

Tua voz na proa

De um verso já gasto

No olhar de Pessoa

Uma frase perfeita

E um beijo prolongado

Uma porta aberta

Traz odor a pecado

Uma guitarra com garra

Ouvida entre os umbrais

Numa cidade garrida com vista para o cais

Leva-as o vento

Meras palavras

Guarda no peito

A ingenuidade

Figura de estilo

Tua voz na proa

De um verso já gasto

No olhar de Pessoa

Leva-as o vento...

Cantado por Ana Moura

terça-feira, 21 de julho de 2009

Passeio de fim de semana


A ciência desenha a onda; a poesia enche-a de água

Teixeira Pascoaes

Trafaria (Isa 19-07-09)

Trafaria (Isa 19-07-09)

Trafaria (Isa 19-07-09)

Trafaria (Isa - 19-07-09)


domingo, 19 de julho de 2009

Este Domingo vamos ouvir Martinho da Vila. Vamos nessa???

Já tive mulheres

De todas as cores

De várias idades

De muitos amores

Com umas até

Certo tempo fiquei

Prá outras apenas

Um pouco me dei...

Já tive mulheres

Do tipo atrevida

Do tipo acanhada

Do tipo vivida

Casada carente

Solteira feliz

Já tive donzela

E até meretriz...

Mulheres cabeça

E desequilibradas

Mulheres confusas

De guerra e de paz

Mas nenhuma delas

Me fez tão feliz

Como você me faz...

Procurei

Em todas as mulheres

A felicidade

Mas eu não encontrei

E fiquei na saudade

Foi começando bem

Mas tudo teve um fim...

Você é

O sol da minha vida

A minha vontade

Você não é mentira

Você é verdade

É tudo o que um dia

Eu sonhei prá mim...

Já tive mulheres

De todas as cores

De várias idades

De muitos amores

Com umas até

Certo tempo fiquei

Prá outras apenas

Um pouco me dei...

Já tive mulheres

Do tipo atrevida

Do tipo acanhada

Do tipo vivida

Casada carente

Solteira feliz

Já tive donzela

E até meretriz...

Mulheres

desequilibradas

Mulheres confusas

De guerra e de paz

Mas nenhuma delas

Me fez tão feliz

Como você me faz...

Procurei

Em todas as mulheres

A felicidade

Mas eu não encontrei

E fiquei na saudade

Foi começando bem

Mas tudo teve um fim...

Você é

O sol da minha vida

A minha vontade

Você não é mentira

Você é verdade

É tudo o que um dia

Eu sonhei prá mim...

Procurei

Em todas as mulheres

A felicidade

Mas eu não encontrei

E fiquei na saudade

Foi começando bem

Mas tudo teve um fim...

Você é

O sol da minha vida

A minha vontade

Você não é mentira

Você é verdade

É tudo o que um dia

Eu sonhei prá mim...

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Um dia no campo

Isa - Julho 2009

Isa - Julho 2009

Isa - julho 2009

Isa - Julho 2009

sábado, 11 de julho de 2009

Cinderela




Cinderela
Carlos Paiao
Composição: Carlos Paião

Eles são duas crianças a viver esperanças,

a saber sorrir.

Ela tem cabelos louros, ele tem tesouros para repartir.

Numa outra brincadeira passam mesmo à beira, sempre sem falar.

Uns olhares envergonhados e são namorados sem ninguém pensar.

Foram juntos outro dia, como por magia, no autocarro, em pé.

Ele lá lhe disse, a medo: "O meu nome é Pedro e o teu qual é?

"Ela corou um pouquinho e respondeu baixinho: "Sou a Cinderela".

Quando a noite o envolveu ele adormeceu e sonhou com ela...

(Refrão) Então,Bate, bate coração!

Louco, louco de ilusão!

A idade assim não tem valor.

Crescer,Vai dar tempo p'ra aprender,

Vai dar jeito p'ra viver

O teu primeiro amor.

Cinderela das histórias, a avivar memórias, a deixar mistério.

Já o fez andar na lua, no meio da rua e a chover a sério.

Ela, quando lá o viu, encharcado e frio, quase o abraçou.

Com a cara assim molhada, ninguém deu por nada, ele até chorou...

(Refrão)

E agora, nos recreios, dão os seus passeios, fazem muitos planos.

E dividem a merenda, tal como uma prenda que se dá nos anos.

E, num desses bons momentos, houve sentimentos a falar por si.

Ele pegou na mão dela: "Sabes Cinderela, eu gosto de ti...

(Refrão)

O saudoso Carlos Paião

Versos De Amor
Carlos Paiao
Composição: Carlos Paião

Às onze e meia, saiu para a rua,

Com o seu fato domingueiro,

Dormindo a aldeia, brilhando a lua,

Num céu de estrelas, conselheiro

Coração quente, timidamente,

À sua porta então chamou

E abriu-se a janela e só para ela

Triste, cantou...

Versos de amor,

Lindos esses versos de amor

Que fizera em segredo,

A sonhar, quase a medo,

Um viver tentador.

A sua vida por uns versos de amor,

Lindos esses versos de amor

Na mais terna amargura,

O silêncio murmura uma história de amor

A noite imensa, foi mais rainha,

Quando uma lágrima caiu,

Na recompensa, o amor que tinha,

Ela também chorou, sorriu

Foi tão bonito, tinham-lhe dito,

Que amar ás vezes faz doer,

Mas a dor que sentia,

Não lhe doía, dava prazer...

Versos de amor,

Lindos esses versos de amor

Que fizera em segredo

A sonhar, quase a medo,

Um viver tentador.

A sua vida por uns versos de amor,

Lindos esses versos de amor

Na mais terna amargura,

O silêncio murmura uma história de amor

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Livro de Pablo Neruda "Confesso que Vivi"



Acabei de ler este livro de Pablo Neruda. É a sua biografia.

Para vos aguçar o apetite, aqui vai um "cheirinho..." . Isto é: um pequeno resumo do livro.



Confesso que Vivi, é um livro feito de sensações: alegrias, tristezas, derrotas, triunfos. Mas, principalmente de luz, cor e odores. Definitivamente memórias feitas de poesia .


CONFESSO QUE VIVI


“A minha vida é uma vida feita de todas as vidas – As vidas do poeta.”

É esta a frase com que Pablo Neruda termina as suas notas introdutórias.

Também eu confesso, que ao ler as suas memórias tive esse sentimento, essa sensação.

Pablo Neruda – nome que pede emprestado a uma revista estrangeira, cuja linguagem era desconhecida para ele – começa por descrever onde nasce.

Não cita datas nem coordenadas. Antes nos descreve de forma maravilhosamente poética e bela o seu bosque Chileno.
Descreve-nos as formas, odores, falas e silêncios da fauna existente.
Fala-nos de uma nação de pássaros, de uma multidão de folhas:
Da aranha vermelha que o observava com olhos fixos; das folhas envelhecidas; dos troncos apodrecidos repletos de tesouros com os seus fungos, plantas e outros parasitas que neles fizeram a sua casa; das flores multicolores que por lá proliferam; das borboletas bailando por entre estas a água e a luz.

Enfim, tudo é descrito de tal forma, que também nós conseguimos, sem nunca lá ter estado, cheirar, ouvir e sentir até à alma, o seu belo bosque chileno.

Sobre a sua infância imaginemos então, um menino tímido e solitário, fazendo-se homem neste cenário magnífico, tendo por companhia o que mais belo existe no mundo: montanhas, bosques e praias infindas.
Menino pobre e solitário de humanos, mas mesmo assim milionário...

É desta forma que o vislumbro: Vestido de negro; os bolsos cheios de escaravelhos; numa caixa leva uma aranha.
Fazendo descobertas que fariam inveja a Darwin ou Cousteau. Descobrindo, por exemplo, que os cisnes, afinal, quando morrem não cantam …

Nos dias de chuva lia e escrevia:

- Lia Búfalo Bill, viagens de Salgari e Sandokan.
- Escrevia cartas de amor à filha do Ferreiro por troca de marmelos que nunca saboreou…

Sobre a sua infância diz-nos: “A minha personagem inesquecível foi a chuva” e confessa-nos que
“nasci para a vida para a terra, para a poesia e a chuva”

Em 1921 (com 17 anos) vai estudar para a grande cidade – Santiago – onde se sente perdido.
Lentamente vai criando amizades.
Colabora em várias revistas.
Publica os seus primeiros poemas.
Ganha os seus primeiros prémios literários.

Pensa partir para Paris – onde estava a cultura…
É o amigo Biande quem o apresenta a um Ministro, o qual lhe dá um cargo diplomático, mas, em vez de Paris vai para Rangum.

Os conhecimentos, quer humanos, quer geográficos alargam-se na sua viagem para o Oriente:
- Passa pela China e Japão – onde conhece imperadores – aproveitando esses momentos para saciar a fome;
- Conhece Gandhi.

Enamora-se por tudo: os gestos, os cheiros, as sensibilidades...
De quando em vez por uma ou outra nativa.

Em Ceilão, instalado num pequeno bungalow junto ao mar, tem por
companhia um cão, um mangusto, o boy e os livros.
Sobre Ceilão confessa-nos esta ser “uma terra sonora envolvida em sombra e aroma”.

Depois é nomeado cônsul de Singapura e Batávia simultaneamente. Regressa ao Chile em 1932.

Em 1933 é nomeado cônsul do Chile em Buenos Aires.
Aí o seu leque de amizades dilata-se .
Entre eles destaco Frederico Garcia Lorca, cuja amizade se vai intensificar no ano seguinte com a sua ida para Espanha.
Aqui é recebido por Lorca que o apresenta a todos os seus amigos.
É uma panóplia de verdadeiras amizades que vai construir em Espanha: poetas, escritores, músicos e pintores. Todos conheceu, amou e foi amado.

Sobre Espanha, que Neruda tanto amou, retenho o seguinte: “os rios verdadeiros de Espanha são os seus poetas: Quevedo com as suas águas verdes e profundas…; Calderón, com as suas sílabas que cantam; os cristalinos Argensolas; Gongora, rio de rubis”.

Entretanto, com a Guerra Civil Espanhola, Pablo assiste à prisão ou morte de muitos dos seus amigos. Entre eles está Lorca que é assassinado em Granada.
Sobre Lorca, Pablo diz: “ele era um multiplicador de beleza…, tinha magia nas mãos; ria, cantava, musicava, saltava, inventava, jorrava. Muito pobre, possuía todos os dons do mundo”.

Afastado do cargo em Espanha é colocado em Paris.
No grande círculo dos poetas/escritores e pintores, a todos ajuda e por todos é ajudado.
De todos (entre eles Picasso, Gabriel Garcia Marquez, Jorge Amado) tem uma história para contar. Histórias de vida que nos enternecem, nos fazem sorrir e, por vezes chorar…

De volta ao Chile a sua estadia por lá é curta. Pablo é enviado novamente para França, desta vez como cônsul encarregado da Emigração Espanhola cuja missão era ajudar a tirar espanhóis das prisões e enviá-los para o Chile.
Segundo Neruda, esta foi a mais nobre missão que desempenhou.
Para ele, cada pessoa chegada do cativeiro era um “romance com capítulos, prantos, risos, solidões, idílios.”

Em 1940 é enviado para o México que descreve como sendo o “último país mágico”.

Depois vem o exílio e com ele o conhecimento de novos países que ele descreve sempre com enorme poesia…

Em 1970 é convidado a candidatar-se a presidente. Ele acaba por declinar em favor de Allende.

Em 1971 recebe, finalmente, o Prémio Nobel.

Em 1973 morre o poeta que viveu e descreve as palavras desta forma:

“…amo as palavras, abraço-as, persigo-as, mordo-as, derreto-as … são espuma, fio, metal, orvalho… são tão belas que quero pô-las todas no meu poema…agarro-as em voo e caço-as, preparo-me diante do prato… e então agito-as, bebo-as, liberto-as… “

Que manjar digno dos deuses…!

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Para todos os meus amigos



Para os meus amigos de ontem, de hoje e os de amanhã

Isa

Letra da música

Você meu amigo de fé, meu irmão camarada

Amigo de tantos caminhos e tantas jornadas

Cabeça de homem mas o coração de menino

Aquele que está do meu lado em qualquer caminhada

Me lembro de todas as lutas, meu bom companheiro

Você tantas vezes provou que é um grande guerreiro

O seu coração é uma casa de portas abertas

Amigo você é o mais certo das horas incertas

Às vezes em certos momentos difíceis da vida

Em que precisamos de alguém pra ajudar na saída

A sua palavra de força, de fé e de carinho

Me dá a certeza de que eu nunca estive sozinho

Você meu amigo de fé, meu irmão camarada

Sorriso e abraço festivo da minha chegada

Você que me diz as verdades com frases abertas

Amigo você é o mais certo das horas incertas

Não preciso nem dizer

Tudo isso que eu lhe digo

Mas é muito bom saber

Que você é meu amigo

Não preciso nem dizer

Tudo isso que eu lhe digo

Mas é muito bom saber

Que eu tenho um grande amigo

Não preciso nem dizer

Tudo isso que eu lhe digo

Mas é muito bom saber

Que você é meu amigo

Não preciso nem dizer

Tudo isso que eu lhe digo

Mas é muito bom saber

Que eu tenho um grande amigo


Mais um poema de Pablo Neruda

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Está a chegar o fim de semana. Aproveitem-no bem...

Reparem no belo poema desta música


Vou cavalgar por toda a noite

Por uma estrada colorida

Usar meus beijos como açoite

E a minha mão mais atrevida

Vou me agarrar aos seus cabelos

Pra não cair do seu galope

Vou atender aos meus apelos

Antes que o dia nos sufoque

Vou me perder de madrugada

Pra te encontrar no meu abraço

Depois de toda a cavalgada

Vou me deitar no seu cansaço

Sem me importar se neste instante

Sou dominado ou se domino

Vou me sentir como um gigante

Ou nada mais do que um menino

Estrelas mudam de lugar

Chegam mais perto só pra ver

E ainda brilham de manhã

Depois do nosso adormecer

E na grandeza deste instante

O amor cavalga sem saber

E na beleza desta hora

O sol espera pra nascer.

Composição:

Roberto Carlos e Erasmo

quinta-feira, 2 de julho de 2009

JAZ MORTO E ARREFECE O MENINO DE SUA MÃE


No plaino abandonado

Que a morna brisa aquece,

De balas trespassado - Duas, de lado a lado -

Jaz morto, e arrefece.


Raia-lhe a farda o sangue.

De braços estendidos,

Alvo, louro, exangue,

Fita com olhar langue

E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!

(agora que idade tem?)

Filho unico, a mãe lhe dera

Um nome e o mantivera:

«O menino de sua mãe.»


Caiu-lhe da algibeira

A cigarreira breve.

Dera-lhe a mãe.

Está inteira

E boa a cigarreira.

Ele é que já não serve.


De outra algibeira, alada ponta a roçar o solo,

A brancura embainhada de um lenço…

deu-lho a criada velha que o trouxe ao colo.


Lá longe, em casa, há a prece:

“Que volte cedo, e bem!”

(Malhas que o Império tece!)

Jaz morto e apodrece

O menino da sua mãe

Fernando Pessoa


SAUDADE - É o revés de um parto... é arrumar o quarto do filho que já morreu

Para ti, meu filho insepultado


Ó pedaço de mim

Ó metade afastada de mim

Leva o teu olhar

Que a saudade é o pior tormento

É pior do que o esquecimento

É pior do que se entrevar

Ó pedaço de mim

Ó metade exilada de mim

Leva os teus sinais

Que a saudade dói como um barco

Que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais

Ó pedaço de mim

Ó metade arrancada de mim

Leva o vulto teu

Que a saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu

Ó pedaço de mim

Ó metade amputada de mim

Leva o que há de ti,

Que a saudade dói latejada

É assim como uma fisgada no membro que já perdi

Ó pedaço de mim

Ó metade adorada de mim

Lava os olhos meus

Que a saudade é o pior castigo

E eu não quero levar comigo a mortalha do adeus.

PARA O MEU FILHO - "POEMA FEITO DE GOMOS DE SAUDADE"

Minha laranja amarga e doce

Meu poema

Feito de gomos de saudade

Minha pena

Pesada e leve

Secreta e pura

Minha passagem para o breve

Breve instante da loucura

Minha ousadia, meu galope, minha rédea,

Meu potro doido, minha chama,

Minha réstia

De luz intensa,

De voz aberta

Minha denúncia do que pensa

Do que sente a gente certa

Em ti respiro

Em ti eu provo

Por ti consigo esta força que de novo

Em ti persigo,

Em ti percorro

Cavalo à solta pela margem do teu corpo

Minha alegria

Minha amargura

Minha coragem de correr contra a ternura

Minha laranja amarga e doce

Minha espada

Meu poema feito de dois gumes

Tudo ou nada

Por ti renego

Por ti aceito

Este corcel que não sossego

À desfilada no meu peito

Por isso digo

Canção castigo

Amêndoa, travo, corpo, alma

Amante, amigo

Por isso canto, por isso digo

Alpendre, casa, cama, arca do meu trigo

Minha alegria, minha amargura

Minha coragem de correr contra a ternura

Minha ousadia, minha aventura

Minha coragem de correr contra a ternura

Letra de José Ary dos Santos